domingo, 18 de abril de 2010

Perfume de Mulher

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Um cartaz imenso na fachada do Canecão anuncia: 'Johnny Rivers' neste meu 17 de abril de 2010...

A foto do cantor dá impressão que Johnny Rivers deva ter pouco mais de trinta anos de idade...

Não pode ser...

A menos que seja outro Johnny Rivers...

Pô, só eu que envelheço?!

O Johnny Rivers que eu conheço era a trilha sonora de meu primeiro amor devastador quando eu tinha 12 anos de idade:

"Do you wanna dance"

A menina se chamava Gladys...

Filha de poloneses...

Linda, linda...

Olhos verdes que nunca mais vi tão...

Seu cabelo definitivamente escorrido muito antes da descoberta da escova progressiva de formol...

Perdi a vontade comer - alimento, gente, por favor; eu era guri - e não dormia mais até tomar coragem de declarar meu amor eterno...

Escrevi uma carta em meu caderno espiral, lambi um selo que colei no envelope e enviei para seu endereço...

Morava na Rua Dr. Timóteo...

Descrevia que tinha intenção de adormecer na sua calçada para que me encontrasse duro pelo frio de Porto Alegre em suas manhãs ao sair para a escola na Rua Dom Pedro como boboca prova de amor ...

Respondeu que não havia necessidade, me amava para todo o sempre até a morte...

Bolamos um pacto Romeu e Julieta...

Cortamos o dedo e colocamos um no outro...

A dor foi igual vacina varíola...

Nossa história de Capuletos e Montecchios foi interrompida pelos ventos pragmáticos do destino...

No ano seguinte comecei a trabalhar e tive oportunidade de comprar meu primeiro veículo de duas rodas...

Era uma lambreta LD ano 1955...

Virei o cara...

Queria todas as Gladys Julietas do mundo...

Então...

Melhor eu não estampar por aqui o sobrenome da minha amada Gladys já que a Internet acaba reaproximando paixões devidamente sepultadas pelo tempo...

E...

Não tenho o menor interesse em constatar como o tempo foi inclemente com minha linda amada princesa Gladys...

Nem quero que ela tenha o desprazer de constatar como seu príncipe do final da década de 60 atualmente possui papada de sapo...

Engraçado esta coisa de uma música desenterrar amores perdidos...

Perfumes também...

Gladys usava Cabrochat e Anais-Anais...

Todas outras namoradas que tive depois dei de presente um desses perfumes...

Todas...

Tá rindo, é?

Por favor não precisa jogar o frasco na parede...

Ciúmes póstumos não fazem sentido...

Gladys deve estar um caco...

Tinha 14 anos na época...

Atualmente Gladys está com 59 anos de idade...

Eu com 54...

Todos nós envelhecemos sem querer...

Só o Jonhy River continua um guri...




Jorge Schweitzer



PS: Do you wanna dance:
Você quer dançar e segurar a minha mão?
Me diga que eu sou o seu homem
Baby, você quer dançar?
Você quer dançar sob a luz da lua?
Me agarre e me beije por toda a noite
Baby, você quer dançar?
Você quer dançar, garota, e segurar minha mão?
Me diga que eu sou seu homem
Baby, você quer dançar?
Você quer dançar sob a luz da lua?
Me ame garota por toda a noite
Baby, você quer dançar?
Garota agora você quer? Você quer? Você quer dançar?
Você quer? Você quer? Você quer dançar?
Você quer? Você quer dançar?
Sim, você quer dançar? Eu suponho que sob a luz da lua
Me agarre e beije por toda a noite
Baby, você quer dançar?

sábado, 10 de abril de 2010

O Maragato, a Prenda e Faróis...

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Ao deixar de ser guri...

Ganhei revólver dos bons...

Adaga de bom corte...

Um pingo arisco...

Um cusco obediente...


Criei coragem

Cruzei campanhas...

Subi barrancas...

Desci descampados...

Sonhei ideais desmanchados pelos ventos enfurecidos da tarde...


Com chapéu desabado...

Escutando canções tropeiras ao acordeon...

Com a lua tombada sobre banhados...

Apresilhei olhares lascivos de uma prenda...

Pôs bueno...

Quando ela partiu...

Resfoleguei em silêncios, como guaxo...

Ficou sua imagem grudada nos rochedos...

Na linha da maré...

Como a inquietação do movimento das vagas...

Ao lado do Farol...



Jorge Schweitzer






Sussuros e Gemidos de um Amor Clandestino...

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No final de uma tarde quente sem nuvens...

Iluminado pela claridade que desvenda segredos íntimos de dois corpos de apenas uma alma...

Clamei pela lucidez do direito de nos distanciarmos...

Atendendo o poder da lógica contrário ao nosso divino impulso de enebriarmos clandestinamento na monarquia de emoções químicas e físicas...

Acolhendo a distância de nossos compromissos assumidos anteriores a decifrarmos a linguagem dos deuses...

Quando chegaram luas, estrelas e penumbras mágicas da noite enternecendo nossos peitos...

Contendo sombras elegantes a desfilar corretamente em cômodos num bailar com músicas de teus sussurros e gemidos emoldurando teu desenho de mulher...
Contrariei a coerência do raciocínio ideal...


Enquanto durarem nossos sentimentos provisórios para sempre você me pertence...

Tanto quanto a tempestade de emoções que desmoronam a razão durarem...

Amém...



Jorge Schweitzer







sábado, 3 de abril de 2010

Sexta Feira da Paixão

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Assoviava o vento de campanha na minha janela veneziana de madeira...

Com seu som e halo mágico...

Esvoaçando a cortina transparente a jorrar cheiro de anil...

Muito antes do clarear...

Assoprando nuvens algodão imensas nos pampas...

Visualizava o fenômeno sonolento...

Maldizendo aquele horário de lobisomem...

O gemido da natureza trocando de horas...

No rádio valvulado, músicas sacras...

Pôs bueno...

Minha avó Pequena chegava no quarto...

Com seu cigarro Continental sem filtro entre os dedos...

Com suas mãos cheias de pintas me vestia a bombacha quadriculada...

Camisa branca dura engomada...

E lenço vermelho no pescoço...

Estava vestido de ‘grosso’...

Tomava um café com leite cheio de nata...

Que minha mãe se negava coar...

Na porteira a tropa aguardava com seus cavalos soltando fumaça quente pelas ventas...

Encabulado tinha dificuldades ao subir no pingo arisco...

Um petiço marchador...

O cusco barulhento ladrava idiota tentava morder o calcanhar da montaria atrapalhando ainda mais minha manobra...
A contragosto, com a bochecha vermelha, dava adeus à minha família emocionada...

Como se estivesse partindo como um “Voluntário da Pátria” para uma “Guerra dos Farrapos” das minhas aulas de História...

Galopávamos...

Arrastaando arreios chacoalhantes à caminho da colheita de “Macelas”...
Uma tradição gaúcha da Sexta-Feira da Paixão...


Recolhíamos o mato alto dentro de sacos alvos farinha de trigo antes do dia explodir seus últimos raios nos barrancos entre as montanhas e o céu...

Num clarão avermelhado cortando o puro azul do Rio Grande...

Evitávamos o frescor da geada noturna a afugentar a pureza das plantas sagradas...

Numa Sexta-Feira Santa de lembranças debruçadas no canto empoeirado da alma...

Ondulando recordações adultas a renovar momentos da ilusão de ser feliz...

Voltando a ser guri...


Jorge Schweitzer





Diego Frazão Torquato, O Menino do Violino "Azul"...

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Diego Frazão Torquato cresceu em Parada de Lucas...

Diego aprendeu a tocar violino no projeto social do AfroReggae dentro de sua comunidade...


O Diego do Violino era a estrela da Orquestra de Cordas do AfroReggae...

Poucos dias antes de morrer, nesta semana, Diego escreveu:

'Meu nome é Diego Frazão Torquato
Tenho 11 anos
Sou simpático
Sou um negro saliente
Sou bonito
Sou brincalhão
Sou de Jesus
Sou um presente para os meus pais
Sou um garoto que todo mundo conhece como Azul de Parada de Lucas'...

Diego Azul ficou conhecido ao ser fotografado com o rosto encoberto por lágrimas enquanto tocava violino no enterro seu professor e coordenador social do grupo AfroReggae, Evandro João da Silva...

Evandro, professor do menino Azul, foi assassinado por ladrões numa madrugada do centro do Rio de Janeiro...

Ali, próximo de várias Igrejas...

No episódio, dois policiais militares complementaram o crime roubando a jaqueta e tênis da vítima sendo flagrados por câmeras de rua...

Agora...

O destino cruel resolveu colocar o menino do violino Azul em nova trapaça...

Há duas semanas Diego passou mal...

Atendido duas vezes na UPA da Penha, no mesmo dia, não foi possível determinar diagnóstico...

Diego acabou sendo operado por apendicite...

Quando os médicos aguardavam recuperação, Diego Azul teve infecção generalizada...

A imprensa passou a perseguir a suspeita de negligência médica...

Diego Azul foi transferido para a UTI pediátrica do Hospital de Saracuruna, em Duque de Caxias...

Todos acompanhávamos o sofrimento do menino Azul...

Veio a notícia...

Que desmoronou todas esperanças....

Os médicos finalmente constataram que Diego Azul sofria de leucemia...

Seu quadro já era gravíssimo...

Os médicos decidiram induzir o coma...

Na quarta feira passada Diego teve uma parada cardíaca...

Ás 14h 30min...

Seguida de reanimação...

O menino Azul não resistiu...

José Júnior, coordenador do AfroReggae comentou:

- Nosso anjinho voltou para o céu.

O Diego Azul teve meningite já com pouca idade comprometendo sua memória...

Azul aprender a tocar violino foi um ato de superação que emocionava...

De família pobre, boa parte dela trabalhava na ONG que luta para evitar o ingresso de jovens no tráfico...

Telmo, pai do Diego, teve três seguidos AVCs anos atrás...

Elenita - 37 anos - mãe de Diego, teve diagnosticado câncer no cérebro no final do ano passado depois de dor de cabeça constante..

A evolução rápida da doença impediu que Elenita ficasse ao lado do filho Diego em seus últimos instantes...

Elenita fragilizada esteve apenas uma vez no hospital para visitar seu menino, protegida por uma máscara...

Não há como compreender um drama destes...

Evangélicos das centenas de igrejas entre Vigário Geral e Parada de Lucas entraram em vigília...

Do avião, voltando de Nova York, o governador Sérgio Cabral fez questão de comentar a morte do menino Diego que também o fez chorar durante um show nos jardins do Palácio Guanabara:

- Diego me emocionou ao chorar tocando violino. Sua expressão era comovente.
Neste ano de 2010, Diego Azul foi indicado para o Prêmio Faz Diferença do Globo na categoria Rio...

A secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, esteve duas vezes com Diego:

- A primeira vez que o vi, há cerca de dois anos, em Parada de Lucas, na aula de violino, sério e compenetrado. Um adulto e tão criança ao mesmo tempo. A última, entrando tímido e meio aturdido, de mãos dadas com o Maestro Minczuk, no palco do Teatro João Caetano para entregar o Prêmio Estado do Rio de Janeiro na categoria Música Clássica. Era um menino que marcava a gente ao primeiro olhar. Alguma coisa nele era especial, e todo mundo comentava isso.
No velório do Diego, o menino Azul, uma orquestra de crianças a segurarem flores numa mão e o violino noutra...

No site do Globo um leitor postou a mensagem:

- Que continue a tocar nossos corações de onde estiver...

Diego necessitou somente de 11 anos para marcar sua presença por aqui...

Diego, o menino do violino Azul...


Jorge Schweitzer